domingo, 8 de novembro de 2009

POEMAS AVULSOS


1
Veneno é bom/
de manhã bem cedo/
misturado com aveia/
e sangue e pus.

É bom esticar as pernas/
e tentar beijar as solas dos pés sujos/
e tentar abafar o instante maligno/
com o terror que possa ser sugerido pela palavra nó.


2

Ontem morri mais uma vez/
dobrei as camisas/
e furei os olhos/
e pude guardar meus orgãos
na palavra cemitério.

Meus parentes agora habitam as catacumbas/
e morrem do medo da palavra medo/
e lá estão embalsamados por tamanho desalento/
sussurrando sua vileza na hora inútil.


3
Rimas Apodrecidas


Maçã e anciã/
com as barbas de molho/
e por isso me encolho/
de mal com a vida/
e assim tiro a casca/
quando a besta masca/
a palavra ferida/
e assim ela não vai/
ela fica/
e a casa cai/
e a tal banana nanica/
é então consumida/
vorazmente/
pelo desespero sem tempero/
da palavra mente.

sábado, 10 de outubro de 2009

1 Sempre que acordo costumo falar com o vento/
costumo falar com a morte que me cumprimenta como se eu não fosse quase nada.

Sinto-me inseto/
literalmente insignificante/
sinto-me ainda menor do que o adjetivo menor/
sinto, em terceira conjugação, que a hora já se faz tarde.

2
Ele caminha desesperado/
e as ruas crescem de tamanho/
e a palavra tamanho/
martela agora sua mente em frangalhos.

Ele quer comer ainda mais/
para abrandar sua angústia em forma de galeto com farofa/
ele e seus dedos gordurosos/
sendo agora dizimados na extensão da palavra frigideira.

3
A cozinha dava para o quintal/
O quintal não gostava de correr riscos/
As crianças brincavam fora de si mesmas/
e as horas passavam sem saber o que faziam.

A casa dava para a igreja/
E a igreja dava para onde tinha que dar/
E era assim que morríamos lentamente/
à procura de palavras vazias.

domingo, 6 de setembro de 2009

POEMAS DA CRUELDADE E DESTEMPERO

1 Digo que a porta/
está aberta ou fechada/
ou manchada de sangue/
e de tédio de domingo cinzento.

Digo que as vestes do profeta estão rasgadas/
quando ele transita pelas ruas de um nunca vi/
cuspindo fogo e ardendo em febre/
antes da invasão de todo e qualquer exército sanguinário.

2

Vendi minha alma/
antes do começo dos tempos/
em minha iniciação/
desconheci as origens.

Bebi vinho/
e vivi como um monstro num labirinto/
devorando moças e rapazes/
em minha sede de carne fresca e leitosa.

Vendi minha alma/
e apodreci lentamente em segunda conjugação/
e fui descendo as escadas do desvario/
como quem mastiga a imensidão de sua dor.

3 Ontem acordei ninguém/
Indefinido em olhos que embaçam a manhã/
Ontem e tão somente ontem/
Não mereci a atenção dos roedores.

Ontem acordei ninguém/
insano e incontrolável na palavra suicídio/
em gotas de orvalho a molhar a face marcada/
por séculos de traição e sevícia.

domingo, 30 de agosto de 2009

RESTOS E PALAVRAS

1
Comprei um pedaço/
de qualquer coisa-pedaço/
e rasguei com força e comi feito um animal/
os restos dos restos dos restos.

Comprei palavras/
no substantivo cemitério/
e separei lentamente as sílabas/
do substantivo torpor.

2

Minguante a lua/
sem nada no bolso/
quem se ausenta em mim/
tem cheiro de galho seco.

Reescrevo a vida/
com o que resta deste vinho/
espremido como este sempre/
que agora amassa papéis avulsos.

3
Tremo em pensar/
que minha hora já chegou/
e acho que ainda estou aqui/
por falta do que fazer.

Já tirei a minha roupa/
e vendi minha alma ao diabo/
Quando encontrei com o profeta/
Que trazia em seus olhos a catástrofe.


4 Tristeza de fogo/
de coisas que caem/
de restos de comida/
no prato de nada.

Desejo absurdo/
de comprar pão tarde da noite/
ou de engolir um tablete de manteiga/
para escorregar como a hora.

Tristeza de sempre/
maldita e silente/
nas nuvens cinzentas/
que transpiram sangue.

Desejo de morte/
de morte e mais nada/
tristeza de folhas/
que dão as costas para o vento.



segunda-feira, 10 de agosto de 2009

POEMAS CORROMPIDOS PELO CHÃO

1 É simples desentortar/
a cara do substantivo regra/
é simples pisar na grama/
e desobedecer o que resta da palavra pai.

É simples cuspir para o alto/
como se a eternidade pudesse se esquecer de si mesma/
assolada pela palavra labirinto/
longe muito longe sem lugar.

2 Dois homens roubaram do tempo/
o tempo da vertigem escura/
que rastejava o vazio da hora/
semente em tremor em seiva bruta.

Dois homens ventavam a solidão/
da chuva que derrubava os copos/
sentados à beira do abismo/
com sede de frio e dor.

3
Sempre que piso em ovos/
furto das trevas o que não é/
castigado por este tremor inclemente/
que trafega em meus dias inúteis.

São marcas na alma que assim marcha/
no pântano ardendo como a chama/
que toma para si o abandono/
de ruas e becos espremidos.

domingo, 26 de julho de 2009

PHARMÁCIA

I
Não há lenitivo/
quando o verbo é morrer/
conjugado neste agora/
que desconcerta as raízes.

Tome isto/
beba de hora em hora/
o que resta do que não resta/
e repita a operação de tantos em tantos abismos.

II
Remédio para tosse quanto custa um/
não sei pergunte ao outro balconista/
para que ele melhor te indique/
um jeito absurdo de definhar mais rapidamente.

Que tal o tal veneno para rato/
ou talvez algo que destrua de forma eficaz o substantivo,
a palavra GARGANTA;

Que tal isto ou aquilo/
ou senão este efervescente de nada,

Que tal isto
ou aquilo
ou talvez
e talvez
este tédio
esta angústia,
este tédio,

Que tal este tal,

Que tal este nada?

III

assim
engula
mais uma vez
respire
bote para dentro
você vai ver
vai se sentir melhor
certamente
assim espero.

respire
e morra amanhã
pois nós dois sabemos
que a doença gosta de comer pudim
antes de se alastrar definitivamente.

vamos, beba mais um pouco/
engula de uma vez
sinta a presença do fim
circulando em suas veias
levante a cabeça
olhe bem nos meus olhos
veja este sempre como a eternidade/
como se esta fosse para a terra do nunca.

NOSSO SARAU DE SEMPRE - JOÃO AYRES

OLÁ AMIGOS,

Estamos há mais de quatro anos realizando o sarau do Ponto Org.
Todos que já foram lá sabem que não somos egóicos e que todo mundo tem espaço para apresentar e ler o que quiser como quiser.
Tive a honra de conhecer grandes poetas e compositores e fico muito feliz sempre que penso nisso.
É um enorme prazer estar com aquelas pérolas à mesa no primeiro sábado de cada mês.

MANDO AGORA UM FRATERNO ABRAÇO PARA AS SEGUINTES PESSOAS:

NELSON
MARIA HELENA
QUALINO
MÔNICA
TODO PESSOAL DO RECANTO DAS LETRAS
KÁTIA ALVES
FILHA DA KÁTIA ALVES
SILVIO
RENATO ZANATA E BANDA
GILBERTO MAHA
MARTHA JOSÉ
SHEILA REGINA
MAURÍCIO
DELCIO CARVALHO
VICTÓRIA WILSON
ÉRIKA ALVES
CYANA
LÉO FERNANDES
LUCIANA
RAMON
ELAINE GUEDES
MÔNICA II
RENEZITO
SIMONE
PABLO
BILLY DO CAVACO
WELLINGTON
GEORGE
ANDY
CLAUDIO PEGORIM
MARCELO
JOÃO BORGES
MARIA HELENA FERNANDES
AYRES
CRISTINA
ELISA
MERINHA
LEDA
MARIA DO CARMO
JOÃO BAPTISTA AYRES NEVES FILHO
EDUARDO MARMO
JEFERSON
JOÃO DO TANGO
MURIEL MACHADO
SERGINHO
O PESSOAL DO MORRO DO PALÁCIO
JOÃO BAPTISTA AYRES NEVES FILHO
OS POETAS POPULARES
OS CORDELISTAS
O CASAL DE BIÓLOGOS
OS ORGÂNICOS
VÂNIA E SEU IRMÃO

E TANTOS OUTROS QUE SEMPRE APARECEM POR LÁ.

OBRIGADO.

JOÃO AYRES

ENDEREÇO: RUA MINISTRO OCTÁVIO KELLY 231, SANTA ROSA, NITERÓI RJ.
TODO PRIMEIRO SÁBADO DE CADA MÊS.


segunda-feira, 6 de julho de 2009

POEMAS

1 Estamos sem sorte/
imersos no tempo/
com jeito ou sem jeito/
e com alma de vidro.

É fácil morrer/
e furar o nada/
como quem corre sem motivo/
por aí em por aí.

2 jeito de pouco/
nesta tarde mínima/
como o substantivo café/
entalado na garganta.

basta considerar/
qualquer gosto amargo/
adjetivado e melancólico/
como qualquer fim de noite.


3 esta dor é um vício/
marcado por dentro com ferro quente/
sem pouco e sem nada e vazia como qualquer sopro/
ordinário na sanguinolência que devassa o instante.

esta dor é assim mesmo/
deste jeito em jeito algum/
é fria incorpórea e constante/
como o ônibus de dez em dez minutos.

é uma dor que parece sem si mesma/
despossuída em algum recanto algum/
indefinida em minhas veias suicidas/
que respiram a insanidade dos séculos.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

1 Sem quase nada/
faço o que tem que ser feito/
sem virtude, quase sem desejo/
crivado de dores neste onde quer que seja.

Fumo ou bebo/
ou não bebo nada e não fumo/
e subo e desço escadas/
como se fosse abrir uma cova na palavra cemitério.


2
Digo que as coisas em mim não prestam/
digo que o vento é podre/
digo que a hora não tem vergonha na cara/
e que os homens não deveriam ter rosto.

Digo que meu nome é este ou aquele ou qualquer outro/
e que minha voragem é comer de olhos fechados/
saboreando este nada que me assola/
com os dois pés no peito e mais o tal nó na garganta.

3
Seco e sem vida/
nada procuro/
alguém em mim morreu/
antes do assassinato daquele imperador.

Ando com as mãos no bolso/
e acho que deixei de ser o que era/
e assim dobro esquinas e mais esquinas/
com a alma enlameada e hálito suspeito.

4
O som antes do antes/
antes de tudo/ antes do antes/
antes dos nomes/ antes das coisas/
os uivos/
e gritos/
e gemidos/
e grunhidos/
em qualquer espírito atormentado.

O som antes do mundo/
antes do antes do mundo/
antes de tudo/antes dos nomes/
antes das coisas os gritos/
os gemidos e grunhidos/
embaçado o antes do antes/
das trevas/ do mundo/ do antes.

terça-feira, 2 de junho de 2009

POEMAS SEM NADA

  1 duas mãos e um copo/
entrelaçados e sem vida/
e quase tudo silêncio/
de quem morre sem alarde.

   duas mãos quase sem nada/
tateando o adjetivo escuro/
para reencontrar o que não é dito/
pela chuva que espanca as vidraças.

2 devo estar louco/
ou creio que devo estar assim/
sem medidas e abandonado/
     como qualquer lua sem rumo.

devo estar branco ou incolor/
ou com a alma em frangalhos/
por isso estes passos vagarosos e sem sede/
em direção a lugar algum.


3   Um crescendo no peito/
rasga a hora como um pedaço de nada/
engolido por qualquer fantasma indiferente/
no interior de uma casa sombria.

O cheiro de mofo/
invade minhas narinas de sempre/
e assim respiro a vertigem do tempo/
amordaçado neste dia mundano.

domingo, 17 de maio de 2009

FALANDO COM OS MORTOS

1 Acordo como se não fosse/
nem mesmo o mesmo de coisa alguma/
assim quando o adjetivo indiferente/
rebate as sombras que despejam este tédio no quintal.

Sobras de comida se agigantam em meus dentes/
feridos por gengivas que sangram o além de um quase-morto/
mastigo frutas apodrecidas enquanto a terra executa seus movimentos banais/
e o céu acinzentado faz de mim mais um proscrito.

2 Mortos de ocasião/
venham brindar ao fracasso/
de todos os planos e perspectivas/
no substantivo cemitério.

Os caixões estarão abertos/
e os cadáveres estarão a beber mais vinho/
inebriando o que está oculto nas horas/
que denigrem a imundície do mundo.

3
Digo adeus aos homens/
que fazem o bem e o mal/
não delibero mais nada/
inanimado no substantivo armário.

Tenho objetos à minha frente/
que nada fazem e apenas ali estão simplesmente/
e que me olham como se eu fosse este ninguém/
como algo que jamais esteve onde esteve.

4
CONTO DAS HORAS INÚTEIS - TRECHO DE UM CONTO DE JOÃO AYRES.

ele talvez não soubesse que nada era e então tentou sentir o perfume daquela tarde e viu que não poderia mais estar ali, pois era apenas uma sombra arredia na imensidão daquela lugar e então ele continuou a andar como se fosse isto que não era o que era e nem o que poderia ser e ele então resolveu parar um pouco e tomar um pouco de ar e então percebeu que também era pouco em sua existência pouca e foi minguando como qualquer coisa qualquer e então ele se confundiu com o chão que pisava e com as árvores e com as plantas e com a preposição com e foi perdendo o freio e continuou a fazer o que estava fazendo no ventre do verbo fazer e então ele continuou a andar e a fazer e a não ser mais do que isto que minguava em sua mente e ele então era isto que devia não ser e ele então era o ar, o frio, o calor, a infinidade de tons naquele canto qualquer,matéria bruta encravada na vastidão do cosmos.....

segunda-feira, 11 de maio de 2009

POEMAS ESCOLHIDOS

1 preciso de um tanto/
de coisa alguma em minha alma/
como quem come biscoitos estragados/
enquanto a hora não passa.

preciso de um relógio/
quebrado na indiferença dos séculos/
para zombar do tempo/
ao andar sempre de costas para o sol.

2 minha fé é a fé dos loucos/
que dormitam em meus pesadelos de sempre/
em mim apodrecem todas as certezas/
quando jogo cartas na praça.

cansei de dizer aos homens/
as coisas de sempre e me perdi/
e uma torrente de palavras tomou de assalto/
o que restava de meu nada num corredor escuro.


3 minha morte é a de todos/
que abrem ou fecham portas/
e que se atiram num lago seco/
sorvendo a lama do instante.

sujos de cara limpa/
em suas almas empalhadas por demônios/
eles que agora entoam uma canção antiga/
ao lado dos porcos que ruminam a palavra cansaço.

ASSASSINATO EM FAMÍLIA-TRECHO DE UM CONTO DE JOÃO AYRES

- acordar é uma arte inútil.
o corpo envelhecido e lento não pode nunca fazer o que quer.
não pode pular muros ou amar de forma selvagem a mulher que está ao seu lado.
pode apenas recriar o que já foi, deste ou daquele jeito, mexendo de um lado a outro como se já não fosse nunca o que fosse.

-é assim que ele levanta da cama e caminha na direção do tal banheiro e lava o rosto e escova os dentes com a tal escova, a insuportável escova que machuca a sua boca com gosto de nada.

-é assim que ele urina e defeca o que resta de sua existência macerada pela insuportável rotina.

- sabe-se ainda que ele não gosta de ser o que parece ser quando se sente obrigado a enfrentar o seu reflexo no espelho rachado no interior de sua intimidade menor.
sua alma triste consegue enxergar o além destes dias passados em companhia deste nada.
ele não quer morrer assim, não quer ir embora deste jeito. ele e o revólver ou pistola. frente a frente e ao lado de sua esposa ou cônjuge que se recusa a lhe dar a mínima atenção.
ele diz que ela precisa ouvir o que ele tem a dizer antes de ir embora. ele diz que ela sempre foi indiferente à sua dor, a seu desespero.
-ele primeiro atira na perna, na sua perna já tão gasta pelos tantos anos andando e suando pelas ruas do centro da cidade. jorra o sangue e ela agora o olha e não demonstra emoção alguma.
- ela pede para que ele atire na cabeça, mas que vá para o quarto e que seja o mais discreto possível, pois afinal sua mãe e seus convidados virão para o jantar.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

POEMAS DAS HORAS INÚTEIS.

Martelo a boca do monstro/
que faz das palavras o que elas são/
quando as mesmas devoram o tempo sem a graça dos defuntos/
que se calam em sinal de profundo desprezo.

Martelo o mundo que se abre/
quando acordo com o peso da palavra corpo em meu peito/
e em mim tudo se vai como as águas da memória/
degenerada na palavra solidão.

Minha hora/
já passou/
e o que foi/
nunca será.

O tempo/
não olha para trás/
como a vida/
na mornidão dos homens.

Minha hora/
já passou/
no relógio/
indiferente.

O relógio/
e as horas/
que ignoram/
   o correr das almas.



Minha tristeza tem asas/
tem a angústia das marés/
e o ódio dos demônios/
que afligem os homens de bem.

Minha tristeza tem chifres/
que perfuram o ócio dos porcos imundos/
e tem ainda o sangue proscrito/
que escorre no além de horas vazias.

  
pouco ou quase nada/
acordo e desfaleço/
pouco ou nenhum/
em mim apenas buracos.

pouco ou quase nada/
andando por aí/
procuro quanto mais me desconheço/
meu rosto nas esquinas.

pouco ou quase nada/
é assim e assim será/
e  como nunca sigo em frente/
e como nunca dobro esquinas/
sempre pouco em ninguém.



5

Este dia assim/
com gosto de pouco/
regado a sangue e pus/
com os joelhos ralados.

Este dia assim/
com esparadrapo na testa/
e com o firme propósito de fustigar/
a inclemência do adjetivo obscuro.


Troco de rosto/
quando estou sozinho/
ou quando o adjetivo sozinho/
é demais para mim.

Troco de pronome/
toda vez que me perco/
 e ele e não eu faz questão de enlouquecer/
bem em frente ao quase nada.


Esta dor que me persegue/
tem o nome de uma tia falecida/
que anda sempre com a palavra pistola/
no bolso esquerdo de um casaco velho.

Ela me espreita sempre que pode/
e ameaça o destino de minha sede/
de palavras que brotam dos esgotos e buracos/
repletas de gosma e de um negrume insuperável.



sábado, 11 de abril de 2009

domingo, 22 de fevereiro de 2009

POEMAS DE CORPO CANSADO.


1 O que mais me deprime/
é a lata de refrigerante/
bem próxima ao ralo da cozinha/
repleta de formigas senis.

O que mais me consome/
são os restos de comida na palavra pia/
e a tal torneira que pinga indefinidamente/
com jeito de quem comeu e não gostou.

Não tenho habilidade com as mãos/
E só sei que gosto de coçar os pés/
E de enfiar o dedo na palavra nariz de quando em vez/
para ver se minha alma está tão suja quanto parece.

Um chute nos bagos bem dado/
Tem o poder de iluminar uma cidade inteira/
    Por isso essa mania de mastigar demoradamente o alimento/
     Para que todo e qualquer vazio se desencontre na palavra boca.


3 O tormento e o corpo/
Cansado de véspera/
O desejo de sumir/
  Ou de morrer num canto escuro.

O verbo que me angustia agora é  ir/
Para algum lugar sem lugar onde não possa mais ser o que sou/
Ir e ir simplesmente/
        Cego, manco e ninguém.

4    

  As palavras não prestam/
não servem para nada/
ninguém diz o que diz/
na veia de um poema tardio.

 Palavras e latas de lixo/
e becos escuros e os ratos/
que sangram inverdades na noite/
   subindo a ladeira do inferno.


5   
  Urino na palavra chão/
em mim bombas nucleares explodem/
estou de mal com a vida/
ou a vida está de mal com o mal.

A escuridão me convida para um drink/
e meus olhos rastejam como serpentes lascivas/
quando busco os meus pedaços na incerteza/
de quem rasga vertiginosamente a palavra precipício.


6  
     Vire à direita e procure/
siga em frente na palavra frente/
e dobre o verbo dobrar cem vezes/
e ande e ande e ande simplesmente/
e é logo ali ou você só pode errar/
de esquina ou de rua ou de avenida/
fique tranquilo, pode deixar/
                         é assim mesmo/
                         todo mundo em ninguém sabe.


7
  Pedaços de nada/
na mesa vazia/
é fácil morrer/
cortando a garganta.

A palavra faca/
agora olha para mim/
com jeito de leoa faminta/
   com jeito de jeito algum.


8 Matar morrer mugir/
moer, sangrar, punir/
chutar, amar, sangrar novamente/
beijar, sufocar, comer.

Comer e beber na palavra barulho/
o fundo das coisas vazias e sem fundo/
deglutir lentamente o que resta do que não resta/
  matar morrer mugir.

Buraco de rato/
é o nome de meu tédio/
que agora dorme sozinho/
estirado na palavra sofá.

Buraco de rato/
gosta de torradas com geléia/
e vive assim desintegrado/
bem dentro de um copo de leite azedo.


10


Apodreço 
cansado 
e morto
e só.
 
é só isso/
e mais a garrafa/
do tal vinho 
no tal lugar.

Apodreço/
neste verbo/
deste jeito/
com cara de ninguém.

Apodreço/
deste jeito/
sem jeito algum/
e só.

11 Ando no verbo andar/
de cabeça para baixo/
para baixo da cabeça/
como uma mula sem rabo/
como um rabo sem cabeça/
ou como um mula sem cabeça/
 e como um cão de dez cabeças/
vou rosnando por aí.

       Ando no verbo andar/
como um rastro obscuro/
no silêncio da palavra silêncio/
vou soprando velas por aí/
na imensidão dos mosteiros/
na vastidão das florestas/
andando no verbo andar/
como se não mais fosse o que fosse.


12  Cinco lobos famintos/
estão em frente à palavra gruta/
 e há um corpo cansado/
que dorme o silêncio dos templos.

     A lua devassa as entranhas/
  deste corpo estirado na noite/
enquanto os lobos uivam silentes/
                              por puro desejo de vingança.



13

Olhos fechados/
Boca que entra mosca/
Farinha e água na palavra tigela/
Gotas de orvalho soprando como o vento.

Olhos fechados/
respiração compassada/
passo a passo na incerteza/
   do vazio que se esgarça no além.


14 Noite vazia/
na calma da palavra quietude/
uma folha que lentamente se vai/
    imune aos galhos das árvores.

A lua distante/
e as estrelas que emudecem/
  tudo agora deixou de ser/
há muito quando os monges bebericavam o chá.