domingo, 22 de fevereiro de 2009

POEMAS DE CORPO CANSADO.


1 O que mais me deprime/
é a lata de refrigerante/
bem próxima ao ralo da cozinha/
repleta de formigas senis.

O que mais me consome/
são os restos de comida na palavra pia/
e a tal torneira que pinga indefinidamente/
com jeito de quem comeu e não gostou.

Não tenho habilidade com as mãos/
E só sei que gosto de coçar os pés/
E de enfiar o dedo na palavra nariz de quando em vez/
para ver se minha alma está tão suja quanto parece.

Um chute nos bagos bem dado/
Tem o poder de iluminar uma cidade inteira/
    Por isso essa mania de mastigar demoradamente o alimento/
     Para que todo e qualquer vazio se desencontre na palavra boca.


3 O tormento e o corpo/
Cansado de véspera/
O desejo de sumir/
  Ou de morrer num canto escuro.

O verbo que me angustia agora é  ir/
Para algum lugar sem lugar onde não possa mais ser o que sou/
Ir e ir simplesmente/
        Cego, manco e ninguém.

4    

  As palavras não prestam/
não servem para nada/
ninguém diz o que diz/
na veia de um poema tardio.

 Palavras e latas de lixo/
e becos escuros e os ratos/
que sangram inverdades na noite/
   subindo a ladeira do inferno.


5   
  Urino na palavra chão/
em mim bombas nucleares explodem/
estou de mal com a vida/
ou a vida está de mal com o mal.

A escuridão me convida para um drink/
e meus olhos rastejam como serpentes lascivas/
quando busco os meus pedaços na incerteza/
de quem rasga vertiginosamente a palavra precipício.


6  
     Vire à direita e procure/
siga em frente na palavra frente/
e dobre o verbo dobrar cem vezes/
e ande e ande e ande simplesmente/
e é logo ali ou você só pode errar/
de esquina ou de rua ou de avenida/
fique tranquilo, pode deixar/
                         é assim mesmo/
                         todo mundo em ninguém sabe.


7
  Pedaços de nada/
na mesa vazia/
é fácil morrer/
cortando a garganta.

A palavra faca/
agora olha para mim/
com jeito de leoa faminta/
   com jeito de jeito algum.


8 Matar morrer mugir/
moer, sangrar, punir/
chutar, amar, sangrar novamente/
beijar, sufocar, comer.

Comer e beber na palavra barulho/
o fundo das coisas vazias e sem fundo/
deglutir lentamente o que resta do que não resta/
  matar morrer mugir.

Buraco de rato/
é o nome de meu tédio/
que agora dorme sozinho/
estirado na palavra sofá.

Buraco de rato/
gosta de torradas com geléia/
e vive assim desintegrado/
bem dentro de um copo de leite azedo.


10


Apodreço 
cansado 
e morto
e só.
 
é só isso/
e mais a garrafa/
do tal vinho 
no tal lugar.

Apodreço/
neste verbo/
deste jeito/
com cara de ninguém.

Apodreço/
deste jeito/
sem jeito algum/
e só.

11 Ando no verbo andar/
de cabeça para baixo/
para baixo da cabeça/
como uma mula sem rabo/
como um rabo sem cabeça/
ou como um mula sem cabeça/
 e como um cão de dez cabeças/
vou rosnando por aí.

       Ando no verbo andar/
como um rastro obscuro/
no silêncio da palavra silêncio/
vou soprando velas por aí/
na imensidão dos mosteiros/
na vastidão das florestas/
andando no verbo andar/
como se não mais fosse o que fosse.


12  Cinco lobos famintos/
estão em frente à palavra gruta/
 e há um corpo cansado/
que dorme o silêncio dos templos.

     A lua devassa as entranhas/
  deste corpo estirado na noite/
enquanto os lobos uivam silentes/
                              por puro desejo de vingança.



13

Olhos fechados/
Boca que entra mosca/
Farinha e água na palavra tigela/
Gotas de orvalho soprando como o vento.

Olhos fechados/
respiração compassada/
passo a passo na incerteza/
   do vazio que se esgarça no além.


14 Noite vazia/
na calma da palavra quietude/
uma folha que lentamente se vai/
    imune aos galhos das árvores.

A lua distante/
e as estrelas que emudecem/
  tudo agora deixou de ser/
há muito quando os monges bebericavam o chá.



Um comentário:

  1. João, ler-te é absorver-te, é viver-te e, impensadamente, querer-te.
    Meus parabéns, sempre.
    Gilberto Maha

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