domingo, 3 de janeiro de 2010

POEMAS DE SANGUE E DOR

1 Hoje o advérbio hoje está cansado/
e as folhas mortas procuram no chão indiferente/
o azul de um céu qualquer proscrito.

Há frio nas ruas e nos becos/
e os roedores hibernam enquanto a hora não passa.

Hoje o advérbio hoje está cansado:
Ninguém é ninguém em ninguém em nada mais.

2 Sem vontade não mais escuto/
as preces dos suicidas e o lamento de qualquer alma aflita.

O tempo sangra em minha alma e nada pode ser feito quanto a isto.

Estou vazio e inerte na palavra precipício:

No desejo insano de cuspir este meu tédio.

3

Sinto com a boca/
quando mordo este nada/
e mastigo o que resta/
desta minha existência inútil.

Durmo em leitos de rio/
secos e mortos de véspera/
e as manhãs me sufocam/
estranguladas pelo sol inclemente.


4

Sem nada no bolso/
sem nada e sem bolso/
procuro nas escuridões/
a seiva que as alimenta.

Sem nada no bolso/
sem nada e sem bolso/
procuro o verbo procurar/
nas sarjetas que ocultam o para sempre.

5 A mãe cospe fogo/
enquanto o pai vomita/
de vez em quando eles vão à praia/
para engolir mais água salgada.

O pai cospe fogo/
enquanto a mãe vomita/
de vez em quando eles vão à praia
para urinar nas ventas de Netuno.