quinta-feira, 3 de junho de 2010

TRECHO DE MONÓLOGO DO DESACERTO DE JOÃO AYRES

- Minha mãe costumava dizer que eu era torto, que havia nascido assim deste jeito e que morreria assim deste jeito que era o mesmo que dizer que eu sempre andaria na direção contrária e que é assim como dizer que pau que nasce torto morre torto e então eu evitava as pausas longas, quer dizer, evitava mais as vírgulas para não permitir a tal intervenção matinal por parte da tal mãe e meu coração foi secando até criar estrias e minhas pernas foram cansando e vieram as varizes e depois mais tarde era só ouvir o mar e esperar a morte em silêncio.....
- e foi assim que descobri que era torto quando fui craseado à esquina e vi o homem tombado no chão com as entranhas expostas e fiquei sentado sem emoção olhando para aquele tanto de tripas assim e pensei até em comer um sanduíche e aí cheguei até a pensar que poderia me tornar médico haja vista o fato de que não senti absolutamente nada ao ver o tal homem todo arrebentado, literalmente morto bem próximo ao meu corpo, um universo vazio naquele chão frio e naquela hora de nada e assim fui me desintegrando e desprezando ou ignorando tudo à minha volta e me tornei esta coisa-coisa que prefere a companhia das paredes deste quarto ou de qualquer outro lugar...
-esta coisa-coisa que prefere conversar com as paredes, observar as sutis mudanças que nelas ocorrem e saber com tristeza que a branca, a alva parede da recepção do hospital está doente, ou seja, apresenta uma infiltração que forma uma mancha e que........

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