domingo, 9 de dezembro de 2012

Sambas do João Ayres

Amigos, Segue um trecho de meu samba, ESSA TAL MELANCOLIA, cantarolado por mim em minha casa. Estou trabalhando duro no sentido de lançar meu primeiro cd.Agradeço profundamente a todos os parceiros envolvidos neste processo. João de Abreu, Thiago-Ajary,Maria Helena Bruzzani,Léo Fernandes,Delcio Carvalho.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

1 Um canto para enfiar a cabeça/
um canto qualquer para enfiar a mente/
um canto para esquecer o rosto/
um canto qualquer para lavar a invisibilidade das horas.

   Uma sala vazia e um homem estirado no chão/
vivo ou morto sem importância alguma na cena possível/
o corpo jogado na vala ou na vastidão dos cemitérios/
  um canto em mais um corpo
                      sem tempo
                                   sem nada.


2  Azia matinal e o café quente/
sempre à mesma hora como se tudo fosse possível/
como se a mesa fosse o que fosse/
e a cadeira insistisse em não mais sair do substantivo lugar.

Azia matinal e o café quente/
e o adjetivo quente a assolar a garganta/
e no mais o cansaço insano de quem apenas vomita/
seus restos mortais esbranquiçados pelo mal.


3 Uma serpente que se arrasta/
dentro de qualquer advérbio de lugar/
esverdeada em água rasa/
          ou em dente afiado/
uma serpente que se arrasta no abandono do verbo seguir.

Uma serpente que se arrasta em lentamente/
como se o modus operandi fosse pior do que o substantivo cirurgião/
que agora abre o estômago do substantivo paciente/
que tosse o seu fim como quem fuma o último cigarro.

4  Onde e como/
pergunto em indagar/
qual em pronome interrogativo/
quem em quem fez o que fez?

Onde diz das origens/
quando o quando provém do substantivo lugar/
impessoal é o tempo quando o próprio se desconhece/
em ir e ir em ir em alguém esteve ali.

 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

   A questão relacionada ao uso das rimas em poesia aponta inevitavelmente para duas situações nodais.
                   A primeira delas diria respeito ao perigo do uso indiscriminado das mesmas, fato este que afetaria o conteúdo daquilo que é enunciado, ou seja, corre-se o risco de se mergulhar no que o grande poeta Eliot chamaria de mera canção empobrecendo assim a essência do trabalho.
                    Tenho lido vários poemas que apresentam esta problemática, apesar de soarem bem aos ouvidos, mas concordo com o mestre no que se refere à inestimável perda de sentido tão presente nos mesmos.
                     O ideal seria um equilíbrio entre som e sentido para que o poema não se torne demasiadamente barulhento.
                      Parece que os ingleses conseguiram realizar tão feito com admirável competência.
                      Basta estudar a obra dos mesmos para perceber que o fluxo textual alia sentido e som de maneira singular.
                      Alguns poetas brasileiros também o fizeram, mas infelizmente em número bem menor, com extremo zelo e mestria.
                      Aponto Carlos Drummond e Cecília Meireles e alguns outros como expoentes máximos neste sentido.
                       Quando lemos coisas como estas, quando realmente o fazemos, somos afetados não só pela magia do som, mas também pela beleza do sentido implícito nos textos.

                           Amar o perdido/
                             deixa confundido/
                               este coração
                            nada pode o olvido
                               contra o sem sentido
                                       apelo do não.

                                    As coisas tangíveis/
                                     tornam-se insensíveis/
                                          à palma da mão

                                              Mas as coisas lindas
                                                     muito mais que findas
                                                      estas ficarão.

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                          Motivo


Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

               

 QUESTÃO DE RIMA II                                                            

                   
                       O outro ponto ao qual me referi no início de artigo diz respeito ao uso criterioso das rimas com o fito de evitar que o texto se torne literalmente piegas.
                      Tenho lido verdadeiras aberrações e lamento que tais autores não tenham sido melhor orientados.
                       Rimar nunca foi tarefa fácil e requer sabedoria, refinamento e prática para tal.
                       Trata-se de um trabalho artesanal, resultado talvez de anos de esforço de tentativas e erros até que se atinja o assim chamado estado de segunda natureza.

                        Retomemos agora o poema de DRUMMOND:

    Amar o perdido
    deixa confundido
     este coração.

     Reparem que no primeiro verso temos o verbo amar flexionado no infinitivo sugerindo em termos semânticos a ideia de extensão, de infinidade juntamente com algo que se perdeu, ou seja, amar enquanto estado de graça e luto na medida em que este infinitivo é atingido pelo inexorável presente do indicativo do verbo deixar.
    Temos o amar no passado e presente e futuro na superfície vez por outra maculada pelo verbo deixar, pelo adjetivo confundido, pelo pronome demonstrativo este e pelo substantivo coração.
     Vale observar a riqueza das rimas, ricas na sua natureza, a saber:
     perdido e confundido, dois adjetivos que encerram um som misterioso e ao mesmo tempo agradável aos ouvidos.

  Na segunda estrofe temos:

     Nada pode o olvido/
contra o sem sentido/
apelo do não.

O ato de deixar de lembrar dilacerado pelo inexorável apelo de uma negação, de uma rejeição profunda e duradoura. atrofiando momentaneamente a percepção do mundo, a saber:

As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão/

Reparem na transição em termos de rima, reparem na escolha de um adjetivo sofisticado, raríssimo na maioria dos poemas que vemos por aí,
para um adjetivo bem mais coloquial, vale dizer de fácil absorção, como é o caso de insensível.
Observem o cuidado em termos de sonoridade como se vivenciássemos  pequenos mantras em perfeita harmonia.

Caminhamos desta forma para resolução do impasse na afirmação da vida através do reencontro com o belo.

 Mas as coisas lindas
muito mais que findas
estas ficarão.

Sugiro que fechemos os olhos e recitemos este poema com especial ênfase nestas rimas misteriosamente zen.



                         

                                           




                     
                   
                   
           

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

POEMAS

1 Sem quase nada/
habito as profundezas/
quando em mim tudo desfalece/
no substantivo escuridão.

O frio e o tédio/
sorvem lentamente o substantivo chá/
e assim reencontro minha matéria de nada/
nas horas que se arrastam nos calabouços.

2 Dois mortos que não conversavam/
olhavam um para o outro/
dois mortos que são o que parecem ser/
dois mortos estirados no substantivo calçada.

Concretos e inexpugnáveis os dois mortos/
que tinham os cabelos negros e o olhar rútilo/
dois mortos que são o que parecem ser/
um pedaço de qualquer coisa jogada na lata de lixo.

3 Um pássaro que agoniza/
no advérbio lentamente/
é duro mastigar o alimento em  frente ao mesmo/
minutos antes do fim do mundo..

Um pássaro que agoniza/
no advérbio lentamente/
  enquanto o universo se contorce embevecido/
  ao engolir as entranhas deste nada.